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março 12, 2011

Tempestade de Outono

Classificação e gênero

- Original
- Yaoi, P-13, Romance, Fluffy

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Tempestade de Outono

   A noite avançava para as nove horas naquele típico clima de outono. As folhas se desprendiam dos galhos, amareladas, alaranjadas ou de tons pálidos de marrom. Caíam com graça sobre o asfalto frio, porém, outras tinham o curso desviado pela brisa gélida. Parado sob a copa de uma árvore, Samuel aguardava impaciente. Aquele lugar, o parque e principalmente a natureza na qual apoiava suas costas, tinha um valor sentimental, e pertencia somente a ele. Ali tiveram o primeiro contato.

   Estava em um piquenique solitário, no outono passado, destinado aos seus pensamentos e um momento só seu, longe das pessoas ou problemas, observando as folhas caírem de igual modo, ou voarem com o vento ao som da calmaria, quando ele se aproximara após uma corrida. Estava cansado, o rosto suando em bicas, roupas atléticas, cujo short era de um azul-escuro em conjunto com a camisa regata, branca e quase totalmente úmida, fones de ouvido e óculos escuros. Os cabelos volumosos quase chegavam aos ombros e o tom castanho passara para o negro devido ao provável jato de água originada em alguma das torneiras espalhadas pelo imenso parque, na clara intenção de aliviar a sensação de calor. Os lábios medianos encontravam-se separados para facilitar a entrada de ar para os pulmões, pois as narinas não davam mais conta da regulação respiratória. Seus cantos se curvaram em um sorriso mais doce que já vira para logo aquela região começar a se mover. Ele lhe dissera algo, mas não compreendera de pronto. Por isso, havia retirado os óculos esportivos e exposto duas órbitas esverdeadas, com uma sutil mistura de castanho, acentuando ainda mais a beleza naquele rapaz. Encarava-o mais fixamente até que pudesse receber sua devida atenção. Ele havia lhe perguntado as horas mais uma vez, achando divertida aquela situação e foi a partir daí que tudo começou.

   Após trocarem telefones durante uma longa e agradável conversa, o encontro aos sábados se tornara rotineiro e sempre embaixo daquela árvore, naquele mesmo parque. Conheciam-se cada vez mais até que puderam se considerar amigos. Seu nome era Rafael em homenagem ao arcanjo da cura na religião católica. Formado em medicina, gostava de ajudar as pessoas e batalhava pela vida de cada uma delas que adentravam à UTI. Muitos diziam que ele fazia jus ao nome adotado, pois muitos pacientes, quase sendo carregados nos braços da Dama de Preto, voltaram a ter suas vidas normais como se a estada crítica no hospital jamais tivesse acontecido. Admitia que a simples presença de Rafael poderia apaziguar as emoções de muitos, evitando uma briga inconseqüente ou aliviando uma profunda tristeza. O homem claramente era dotado de dons benéficos e isso o tornava mais atraente.

   Meses depois, Rafael estava diferente quando se encontraram naquele mesmo lugar em um novo sábado de inverno. No dia anterior, o médico ligara dizendo para darem uma volta fora dos limites do parque com a desculpa de estar enjoado da mesma natureza todo fim de semana. Sendo assim, quando se encontraram, tinha o semblante tenso, disfarçado por aquele sorriso doce que mexia com seu coração há dias.

   Foi tudo tão rápido. Em um minuto, estavam se cumprimentando com um abraço amigável. No outro, Rafael unira os lábios aos seus em uma possessão um tanto difícil de se manter resistente. Beijaram-se como se fossem feito um para o outro. Ele tinha um carinho incrível e estava receoso no primeiro momento, porém, a segurança viera com o segundo, terceiro, quarto beijo. No meio do parque, do cinema, um breve contato íntimo em uma região privada do restaurante, não importava o tempo ou espaço, sentiam a necessidade de ficar um com o outro.

   Naquela mesma semana, amaram-se sobre os lençóis de seda no harmonioso quarto do médico. Nunca teve a sensação de plena felicidade ao lado de alguém. Rafael sabia quando havia alguma alteração de humor, o porquê das coisas e como ajudar. O silêncio podia ser mais reconfortante do que palavras de apoio, diz ele. Nada mais tinha importância quando ele estava ao seu lado e os problemas não pareciam ser maiores do que um grão de areia.

   Contudo, havia fatores que o diferenciavam de um perfeito anjo. Ele sofria de ciúme quase incontrolável, mas dava graças aos céus por ele ser bem racional e deixar que se explicasse quando alguma desconfiança o abatia. No começo da relação, as discussões vinham uma atrás da outra e por várias vezes tivera que terminar com ele, para, horas depois, tê-lo parado em frente ao seu apartamento, com uma cara de arrependido, um buquê de lírios na mão e um suave pedido de desculpas. Simplesmente não conseguia rejeitar aquele gesto tão bonito, principalmente quando vinha com aquelas flores. Só ele sabia o quanto admirava os lírios. No fim, acabavam por fazer amor em algum ponto da casa, aleatoriamente.

   Outro fator, e o mais irritante, era sua falta de responsabilidade com horários fora do ambiente de trabalho. Às vezes odiava sua profissão, pois como ele era um excelente médico, freqüentemente o chamavam para auxiliar em algum caso urgente ou complicado, tirando o sossego de ambos. Podia ter acabado de sair do hospital e Rafael precisava retornar à ala da UTI para prestar mais alguma assistência imediata. Por ter um bom coração, até demais, ele não sabia administrar muito seu tempo e isso prejudicava a ambos. Quando ele finalmente tinha um tempo livre, acabava por dormir demais devido ao cansaço e exaustão, faltando com seu compromisso de ajudar a manter aquele relacionamento.

   E era por isso que estava ali, naquela noite, em meio ao vento frio, parado sob a cúmplice árvore. Esperava por ele a mais uma hora, sem receber notícias de atrasos ou cancelamento do programa. Grunhiu irritado quando as primeiras gotas de chuva se desprenderam do céu, aumentando mais a quantidade de palavrões em sua mente e lhe retirando o último fio de paciência. Puxou os cabelos louros para trás e saiu daquele lugar, encolhido para se proteger inutilmente da chuva. Parecia que Rafael não percebia o quanto sua ausência lhe feria e ainda mais quando ele faltava com suas obrigações. Mas também não podia culpá-lo. Ele só gostava de trabalhar.

   - É, isso. – falou amargurado enquanto apertava o passo para encontrar um abrigo contra a chuva.

   Entretanto, perdido demais em pensamentos, não viu que alguém bloqueava seu caminho. Quando ergueu a cabeça para se desculpar, suas palavras morreram na garganta e o semblante enrijeceu mais ainda.

   - Oi, Sammy.

   Aquele sorriso, o tom suave, o olhar sereno e brincalhão, tudo tão irritantemente despreocupado para aquele momento. Bufou e esbarrou propositalmente em Rafael, demonstrando sua fúria. Mas logo teve o braço segurado com carinho, atiçando mais ainda sua raiva.

   - Tire as mãos de mim! – a ira presente no grito fora realçava com os trovões e o aumento da intensidade da chuva.

   - Me desculpe. Houve uma emergência...

   - Sempre há uma emergência, Rafael! – cortou-o ríspido, gesticulando nervosamente os braços – Você tem idéia do que é emergência para mim? Já parou para pensar no quanto isso significa para minha pessoa? Eu sei que você ama seu trabalho, mas existe um “nós” agora. Ah! Quer saber? EXISTIU! Eu estou caindo fora! Sê feliz!

   Deu-lhe as costas e partiu em uma correria para longe da presença daquele homem. As roupas já estavam encharcadas e a chuva em seu rosto se misturava com as grossas lágrimas. Infelizmente, não tinha tanto preparo físico, então, logo foi alcançado pelo médico a gritar súplicas para que pudessem conversar.

   - Por favor, Sammy, querido... Eu amo você. – confessou ao parar à sua frente e segurá-lo em um abraço forte, ajudado pela inércia.

   - Não ama mais do que aquele hospital! Me larga, seu idiota! – Samuel empurrou-o com força, bufando e chorando ao mesmo tempo, sem perder o controle da voz – Estou farto de você fazer isso comigo. Achei que fosse importante também, mas vejo que não! Porque tudo o que você pensa é trabalho, trabalho e trabalho! Há seis meses convivo com isso! Já estou farto! Cansei! Para mim chega! Me esqueça, Rafael! Esqueça tudo o que existiu entre nós, porque não vão passar de momentos oportunos a saciar sua carência!

   Recuou um passo quando a expressão de dor deu lugar à frieza e o olhar desolado se transformara de raiva. A boca perfeita se curvara para baixo e os lábios estreitaram-se, como sempre acontecia quando ele estava concentrado ou...

   - Cale a boca, infeliz! Olhe os absurdos que você está dizendo! – explodiu em uma gritaria mais alta que o som da tempestade que agora cobria a vasta cidade – Me diz como posso fazer isso se você faz parte da minha? Eu sei que ando ocupado, mas também não é justo que só eu receba pedras! É crueldade sua me pedir algo assim como se nada, NADA do que passamos juntos significasse algo para você! Como se a cada momento de amor que tivemos não fosse nada além de sexo! Eu não sou insensível! Você quem é! Amo você mais do que qualquer coisa e não tenho culpa se as pessoas precisam de mim! Se acha que está sendo fácil para eu agüentar tudo isso? Que abandono você de propósito? Então você não dá o mínimo de valor para nós também, pois, caso contrário, tentaria ver o meu lado e seria mais racional. Deixe de ser infantil, Samuel!

   ... Quando se preparava para um discurso no qual o ouvinte perde totalmente a razão. O loiro respirava pesadamente e estremeceu com a pronúncia de seu nome. Odiava, do fundo da alma, quando Rafael o dizia com tanta diretriz e rigidez como naquela hora. Sentia-se um estúpido, um nada, pior que lixo, por mais que tivesse uma parcela de razão ali. Sempre era assim! Ele precisava sempre manter a última palavra como se ele fosse o Senhor da situação. Seu coração doía e comprimia o peito enquanto o pranto invisível pela água vinda das nuvens continuava a banhar seu corpo. Cerrou os punhos ao lado do corpo e abaixou a cabeça, controlando-se para não quebrar o rosto perfeito que tanto amava com os mais potentes socos que podia dar.

   - Eu não estou errado aqui, mas você também não é inocente. – as palavras saíram entre dentes e de uma forma bem contida – É pedir muito um tempo para nós dois? Estou exagerando quando quero organizar meus horários para poder te ver e você falta com sua responsabilidade por causa do trabalho? – mirou os olhos verdes com raiva, as mãos fechadas, tremendo por conta disso.

   - Eu também tenho vida além da que passo com você! Do jeito que fala, parece que nunca temos tempo nenhum e se isso fosse verdade, eu nunca teria a oportunidade de ouvir seus gemidos a cada onda...

   - Cala a boca, Rafael!! – exasperou em conjunto com os raios e trovões mais uma vez, interrompendo o novo discurso. Um vento frio invadiu o parque, fazendo-o estremecer e tossir ligeiramente.

   Um silêncio se estendeu enquanto o clima da noite se tornava cada vez mais tenso, piorado pela tempestade. Samuel sentiu a respiração um pouco mais difícil por causa da friagem, o que provocou a queda de sua resistência. Sabia que após aquele episódio, seria presenteado com uma bela gripe. Viu o namorado bufar e levar a mão aos cabelos, jogando-os para trás lentamente, de olhos fechados. Pode reparar o quão profundo ele respirava. Foi fácil notar que aquele gesto o fazia buscar a calma. Por fim, o olhar gélido se transformara em piedade e quando os lábios de moveram, a voz saíra suave e terna.

   - Vamos sair daqui. Você vai pegar uma gripe forte desse jeito. – ele fez menção em se aproximar.

   - Eu posso me virar sem você. – disse ácido, recuando – Passar bem!

   - Pare com isso! – desta vez, as mãos macias de médico o seguraram e o trouxeram para seu corpo, conseqüentemente em um abraço protetor – De que adianta ser relutante assim. Você sabe que vai ficar ruim e o quanto essa briga só vai piorar tudo. Vamos, Sammy. Não seja orgulhoso. Me perdoe. – murmurou próximo ao ouvido, ousando mordiscar de leve a cartilagem – Eu te amo.

   Samuel grunhiu em desistência e retribuiu o abraço. Rendeu-se às palavras doces e o estímulo sutil. O coração comprimido, o nó na garganta e o pranto orgulhoso também o auxiliaram a agarrar-se no homem mais velho, esconder o rosto no peito largo e soluçar em desabafo. Rafael o embalou com paciência, afagando os cabelos encharcados e os beijando.

   - Vem, deixe-me cuidar de você. Pacientes são a prioridade de um médico. – brincou.

   - Só assim para conseguir um tempo com você... – praguejou com a voz rouca pelo choro e abafada por estar contra o corpo do moreno.

   - Samuel!

   - Eu também te amo.

   A confissão baixa e sincera fez o homem sorrir e abraçar o namorado com um pouco mais de força, sentindo um grande alívio. Por mais que aquelas palavras tivessem sido desgastadas pelo uso incorreto da sociedade, no momento elas soavam com a mesma paixão transmitida entre os amantes de dois ou mais séculos passados. Rafael ergueu a cabeça de seu amado escritor e beijou seus lábios com imenso afeto, finalizando aquele desentendimento de uma vez por todas. Assim, levou-o para sua casa, tratando da doença que começava a consumir a saúde e a força de Samuel. Sabia que pessoa nenhuma seria tão bem cuidada quando ele, sendo paciente ou membro da família, aos olhos de Rafael, o louro era uma parte importante de sua vida, era aquela coisa que todos os sonhadores procuravam e intitulavam de alma gêmea.


~x~x~x~x~x~

Um comentário:

  1. Linda história. O amor provasse em todo lugar a todo o momento sem barreiras e nos surpreende sempre. Pois é o amor. Este que nos faz fazer de tudo e que nos orienta nesta vida!
    Escreva sempre. seu jeito de descrever situações e formidável! :-)

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