Bem-vindos(as)! Tirem os sapatos e fiquem à vontade. Aqui, o blog também é de vocês.

janeiro 24, 2011

Death

Classificação e gênero
- ORIGINAL
- K, Darkfic, Drama.
________________________________________

Death

As nuvens encobriam o céu negro quase completamente. Relâmpagos cruzavam o manto noturno com insistência, amedrontando boa parte da população. O som dos trovões, acompanhado da ventania forte, pouco a incomodava. A mulher continuava inexpressível na cobertura do hospital no qual trabalhava.

Tragava o cigarro com a paciência dos deuses, despreocupada como se o mundo não estivesse prestes a inundar. Sua mente vagava em um turbilhão de dúvidas nas quais não tinha nenhuma resposta, Trabalhava naquele ramo há pelo menos dez anos. Já deveria ter experiência suficiente para não cometer um deslize daqueles. Um erro tão grande pago com a vida de um inocente.

Apoiada no parapeito da cobertura, ela observava, sem interesse nenhum, o movimento das pessoas, apressadas em se proteger da chuva que estava por vir. As lágrimas dos deuses chegaram tímidas à Terra, em gotas finas, mas logo ganharam força, encharcando qualquer corpo ou objeto desprovido de abrigo. Mesmo assim, a médica com nada se importava.

Resmungou ao ter o cigarro apagado com a aguaceira repentina, jogando-o ao vento, desgostosa. Virou-se, apoiando os cotovelos no batente, e olhou para cima, admirando as gotas se desprenderem dos céus. Depois do ocorrido, realmente, tudo perdera o seu valor. Seu paciente chegara em estado de emergência; um grave acidente de moto o debilitara, precisando, com urgência, de cirurgia e transplante sanguíneo. Nada que não estivesse acostumada. Porém, algo havia dado errado. O paciente não respondia aos medicamentos; a adrenalina não exercia sua função; os pulmões pararam de inflar e o coração, de bater.

O desfibrilador era a única saída, o homem no leito caminhava em direção ao plano dos mortos e era sua função impedir isso a qualquer custo. As tentativas de reanimá-lo foram muitas, sempre acompanhado pelo agudo e irritante som da frequência cardíaca, indicando ausência de batimentos. No vigésimo choque, um enfermeiro  lhe tocou o ombro, fazendo uma leve pressão com os dedos. Sem a necessidade de uma troca de palavras, a verdade fora dita calidamente: o paciente estava morto.

Ela deslizou pelo batente, segurando os cabelos, enquanto grossas lágrimas banhavam seu rosto, misturando-se com a água da chuva. Com as lembranças recentes, os sentimentos de raiva e vergonha lhe abateram de súbito, como se o choque inicial pelo ocorrido houvesse passado. A morte era injusta e cruel para que ficam no plano real, não para os que partem. Como uma criança travessa, ceifava a vida dos fracos, que mal sustentavam a alma dentro do corpo, sem pedir licença ou dar chance de retorno à vida. Não admitia que o Anjo da Morte brincasse desse jeito. Como uma cirurgiã renomada e experiente nesse ramo, não tolerava fracasso como aqueles. Fizera tudo certo, nos mínimos detalhes e cuidadosamente. O que afinal dera errado? Perda excessiva de sangue? Fratura de múltiplas costelas? Destino?

Segurou os cabelos com mais força, encolhendo-se e refugiando-se em seu próprio mundo, como uma criança que acabou de ser punida. Mas uma mão a cobrir a sua lhe retirou dos devaneios tortuosos e a obrigou a olhar para o dono dela. O mesmo enfermeiro que lhe tirara do transe indignado na sala de operações, agora, viera prestar condolências. Um sorriso meia boa e o olhar de cumplicidade e compreensão era tudo o que não precisava no momento. Se sentia ainda pior, a culpa ainda lhe abatia. Ele segurava um guarda-chuva, evitando se molhar inutilmente. A mão livre passeou em seu rosto, colhendo o pranto triste, lhe fazendo um carinhoso afago, antes de ajudar a erguer-se do piso alagado e liso.

- Não há porquê estar assim. A morte vem para todos nós e a culpa não é sua se ela veio justamente quando você operava. - disse ele com suavidade, passando o braço nos ombros delicados.

Não ousou dizer nada. Não estava em condições de argumentar. Seguiu o enfermeiro em silêncio, enquanto ele respeitava a situação, também, sem dizer mais nada. Ele a guiou para dentro do hospital, onde pudesse relaxar em um bom banho e assim retomar seu plantão de maneira rotineira. A ética profissional não permitia a razão se submeter aos atos emocionais. Por isso, a cirurgiã ergueu a cabeça e enxugou as últimas lágrimas que ainda vertiam de seus olhos, prometendo a si mesma que nunca mais cometeria o mesmo erro, esforçando-se ao máximo para que sua função fosse realizada.



~x~x~x~x~x~x~

Um comentário:

  1. É, sou chato. Vou comentar de novo. ;x
    Você ruleia demais, me coloca no chinelo desse jeito! Muito bom este one-shot - só não falo de um jeito mais gay, porque o horário e a pessoa não permitem[?]. Eu quero mais, pode mandar bala e ir postando mais. ù_û/

    ResponderExcluir